quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O SIMBOLISMO NO BRASIL

Considera-se o ano de 1893 como o marco definitivo do Simbolismo no Brasil, ainda que antes dessa data se possam registrar várias manifestações poéticas ligadas à nova estética. Entre elas, destaca-se a publicação de Canções da decadência, de Medeiros e Albuquerque, em 1887. No ano de 1891, temos o primeiro manifesto Simbolista brasileiro, de Emiliano Perneta, Cruz e Sousa, Bernadino Lopes e Oscar Rosas, publicado na Folha Popular do Rio de Janeiro. Porém, já se consagrara o ano de 1893, com a publicação de Missal e Broquéis, de Cruz e Sousa, como o período de esplendor do Simbolismo no Brasil.
A força parnasiana não permitiu, contudo, que se desse grande divulgação a esse movimento literário brasileiro. Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens são considerados os maiores poetas do movimento, seguidos de Pedro Killerry, Mário Perdeneiras e Emiliano Perneta, entre outros mais.
Cruz e Sousa, “o cisne negro”, era filho de escravos, mas foi educado pelos antigos senhores de seus pais, concluindo o curso secundário, exercendo o jornalismo, o magistério e a literatura. Por ser negro, foi recusado como promotor público de Laguna. A partir de 1890, passou a viver no Rio de Janeiro, com o modesto cargo de arquivista da Central do Brasil. Marcado pela tragédia, viu a esposa enlouquecer depois de perder os três filhos, vítimas da doença que também o mataria – a tuberculose.
Esse poeta revela em seus primeiros trabalhos a influência parnasiana no que diz respeito à temática e à preocupação formal. Sentindo-se como um prisioneiro, um “emparedado”, num mundo de privações e infortúnios, aspirava a outro mundo, espiritual, expresso em suas poesias, marcadas por intenso misticismo e religiosidade.
Outra constante em sua obra é o fascínio pela cor branca, vista ora como simbolização da pureza, ora como manifestação de seu complexo racial e desejo de acesso ao mundo dos brancos. A pregação do amor, do dever, da caridade, do perdão e da grandeza moral também caracteriza a sua obra.
Para situarmos o Simbolismo no Brasil, necessário se faz tecer alguns comentários sobre as características dessa estética, já que vamos fazer uma leitura de Antífona, um dos poemas mais representativos de Cruz e Sousa.
Segundo os simbolistas, a realidade deveria ser expressa de maneira vaga, imprecisa, ilógica. É o que diz Mallarmé:
Nomear um objeto é suprimir três quartos do poema que é feito da felicidade em adivinhar pouco a pouco; sugeri-lo, eis o sonho... deve haver sempre enigma em poesia, e é o objeto da literatura – e não há outro – evocar os objetos. (CL, p. 229)
Associadas a essa característica, temos a utilização de palavras ambíguas, a fuga da lógica discursiva, o amplo uso de metáforas e sinestesias e o hermetismo.
“Antes de qualquer coisa, música” era o postulado de Verlaine. Dotando o poema de expressividade sonora e valorizando o ritmo, a musicalidade, as aliterações, as assonâncias e os ecos, os simbolistas procuravam aproximar a poesia da música, afastando o poema das referências concretas e instaurando uma atmosfera vaga, misteriosa e indefinida.
Desinteressado pela realidade objetiva, o simbolista voltava-se para o seu próprio eu, mas não o eu superficial do Romantismo. Tratava-se de buscar a essência do ser humano, o inconsciente, o subconsciente e os estados de alma.
O desejo de um mundo ideal, do qual o mundo real é apenas uma representação imperfeita, conduz o simbolista a procurar alcançá-lo através da poesia, vendo na arte uma forma de religião. Em alguns autores, esse desejo de evasão associa-se a uma visão cristã. São comuns a oposição entre matéria e espírito, a procura da purificação e a referência a regiões etéreas e ao espaço infinito.
No plano sintático-vocabular, observam-se o uso de vocábulos ligados ao místico e ao litúrgico: alma, infinito, desconhecido, essência, missal, breviário, hinos, salmos, ângelus etc. O uso do conectivo bíblico e, que tem essa dominação por ser bastante usado nos textos bíblicos, e o emprego de iniciais maiúsculas no interior do verso, enfatizando o aspecto simbólico e alegorizante dos vocábulos.
Por fim, o simbolismo herdou a preocupação formal e o descompromisso com a realidade mundana, o que afastou o poeta dos problemas sociais, deixando-o envolto em seu próprio universo. A expressão “alquimia verbal” caracteriza a preocupação dos simbolistas com a linguagem sugestiva e evocativa, enquanto o isolamento é sugerido pela expressão “torre de marfim”.
Seguindo os trilhos dessas características, faremos, a seguir, uma leitura de Antífona.

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares; de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluídas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...

Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolência de lírios e rosas...

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério desses versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos albastros
Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...

Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...

Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...

Tudo! Vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte... (CS, p. 31-2)

Do ponto de vista formal, podemos dizer que esse poema apresenta regularidade métrica e rítmica, pois os versos são decassílabos e as rimas são opostas e alternadas.
A presença de termos eruditos, dicionarizantes, estão presentes no poema. O título é o primeiro exemplo de linguagem pouco usual – Antífona: versículo que se anuncia antes de um salmo. A ele se acrescenta turíbulo: vaso em que se queima incenso nos templos, aras: altares dos sacrifícios nos templos, constelarmente: em forma de constelação, brilhante, mádidas: umedecidas, dolências: mágoa, sofrimento, Réquiem: missa fúnebre. Notamos o uso de reticências e de substantivos comuns escritos com letras maiúsculas: “Indefiníveis músicas supremas,/Harmonias da Cor e do Perfume.../Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes.../Dormências de volúpicos venenos/Sutis e suaves, móbidos, radiantes...”.
Notamos que o poema faz uma invocação, um chamamento às Formas, que nada têm de exatas. Ao contrário, “são alvas, brancas, vagas, fluidas, cristalinas, de luares, de neves, de neblinas...”.
As imagens visuais mostram-nos as Formas cada vez mais esgarçadas, mais tênues, invisíveis, em consonância com a extrema musicalidade e as imagens olfativas – “Incensos dos turíbulos das aras...” – as quais, com seu vocabulário litúrgico, enfatizam a espiritualidade, o misticismo, o tom metafísico presente em todo o poema.
A sinestesia, mistura de sentidos, que acentua a dimensão transcendental, constitui um dos alicerces desse poema também caracterizado pela absolutização das palavras, uso de letras maiúsculas no meio e final de alguns versos, e pela sugestão do indizível através das reticências e da musicalidade.
O Simbolismo, aqui representado por um dos mais importantes poemas de nosso maior expoente dentro desse estilo, procura reatar as relações entre vida e poesia, sujeito e objeto. E o faz elaborando textos que não desdenham a preocupação formal e a precisão vocabular parnasianas, mas que a ambas acrescentam a negação da postura racional, objetiva, substituída pelo desejo de transcendência, pela busca de completude espiritual só vislumbrada num mundo metafísico, místico, inconsciente.
As palavras, então, não precisam ter significados exatos. Ao invés disso, elas constituem símbolos, imagens sensoriais, especialmente auditivas, musicais, que, combinadas com imagens visuais, olfativas, expressam a tentativa de unir num só, todos os sentidos, e de, através deles, penetrar na essência de nossa humanidade, de nossa alma violentada por um racionalismo, um objetivismo que nos coisificam, nos oprimem, muitas vezes sem que disso nos apercebamos.
Devemos atentar para a musicalidade de todo o poema, as sinestesias que lhe dão cor e perfume, como nos versos deste quarteto:

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Hora do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do sol que a Dor da Luz resume... (CS, p. .31)

As aliterações e assonâncias – supremas, trêmulas, extremas -, aliadas às sinestesias, propiciam um clima etéreo, vago, que transforma em música a palavra, em sugestões os significados e, no limite, em Réquiem do sol, isto é, em morte, uma vida resumida pela Dor da Luz. A dor da luz espiritual, do alumbramento interior, pode ter como apoteose, o momento supremo da morte, como na poesia romântica. Entretanto, não se trata de escapismo, de nefelibatismo, ou seja, de pessoas que vivem fora da realidade, no “mundo das nuvens” . Trata-se , sim, dos simbolistas.
Assim sendo, o que ocorre, na verdade, é um apelo ao inconsciente, às camadas mais profundas da mente humana – do “eu profundo” – com a finalidade de resgatar o homem do materialismo desenfreado em que vive. Nesse sentido, a poesia simbolista anuncia a decadência, a falência dos valores burgueses e a busca de novas realidades, invisíveis e interiores, que vão configurar, dentre outros elementos, aquilo que chamamos de Modernidade.

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